quinta-feira, 28 de junho de 2007

A Vanguarda Tropical de Pernambuco

Eis a matéria que me tirou noites de sono...
Adeus Abreu!

A Vanguarda Tropical de Pernambuco
por Joanna Mendonça

Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia”, diz a frase do compositor tropicalista Torquato Neto. O Brasil de 1968 vivia em pleno auge de um regime de ditadura militar. Em meio a toda essa turbulência, vozes desarmônicas começavam a surgir no cenário cultural brasileiro. Eram artistas que juntos faziam nascer a Tropicália – movimento cultural considerado um dos mais importantes para a música popular brasileira.

O Tropicalismo teve como idealizadores Caetano Veloso e Gilberto Gil e logo saiu da Bahia para outros Estados brasileiros. Em Recife, alguns jornalistas, críticos e artistas considerados agitadores culturais se identificaram com a polêmica proposta do movimento. O poeta, filósofo, crítico, professor e tropicalista pernambucano, Jomard Muniz de Britto, 70, já era conhecido em 1968, por causar contestação com suas conjecturas sobre uma cultura e arte de vanguarda, e também por se envolver nos acontecimentos do universo cultural do Recife. Sua relação com o tropicalismo em âmbito local fundamentou-se através da relação com os jornais para os quais escrevia artigos e críticas, ligados ao movimento.

“Somo e não somos tropicalistas”. A frase paradoxal titulava o primeiro manifesto redigido e assinado por Muniz de Britto, ao lado do cantor e compositor Aristides Guimarães e do jornalista Celso Marconi. “Levamos o manifesto para Celso publicar no Jornal do Commercio, e na hora ele assinou também. Foi um escândalo para a época. Na capa do jornal saiu uma foto muito tropicalista, de grande impacto, Celso no meio e eu, com Aristides, apertando o pescoço dele”, diz Muniz. O texto que dizia “A loucura contra a burrice e o sexo contra os dogmas” chocou a elite recifense e estremeceu os alicerces da pacífica cidade.

No Bar do Alves, no Mercado da Encruzilhada, aconteceu o lançamento do manifesto. “O primeiro manifesto foi uma espécie de acerto de conta com a política cultural vigente”, destaca o crítico. O movimento tropicalista não estava apenas ligado às artes como música, poesia, artes plásticas, cinema e teatro. Era algo comportamental que mexia com o caráter, as idéias, e o mais assustador: provocava a sexualidade. No Recife, o movimento buscava fazer interpretações do Tropicalismo eixo Sudeste. “Não havia uma sintonia de proposta de trabalho nacional, o que existia era um debate. Que monstro é esse que veio para devorar a sublime cultura brasileira?”, conclui.

O tropicalista Aristides Guimarães, 61, mexeu com as estruturas musicais do Recife quando criou o grupo LSE – Laboratório de Sons Estranhos, que também contava com a presença de Jomard Muniz de Britto no processo de criação e nas apresentações, onde o tropicalista distribuía seus “atentados poéticos”. O segundo manifesto assinado por Guimarães ao lado de Muniz foi lançado na Oficina 184, em Olinda, um mês após o primeiro. “O segundo já foi algo mais amplo, pegamos artistas de outros Estados, e até Caetano e Gil, que estavam aqui, assinaram o manifesto com a gente”, afirma Guimarães.

Enquanto outros jornais ignoravam o Tropicalismo que ganhou repercussão graças à cobertura do Jornal do Commercio. Na época, o jornalista e tropicalista, Celso Marconi, 76, era editor do Caderno de Cultura e incentivava a divulgação do Tropicalismo. Aproveitando que o Diário de Pernambuco estava apático ao movimento, Ariano Suassuana publicou uma resposta a critica de Marconi, que não concordava com a participação de George Jonas para a direção do filme “A Compadecida” – primeira versão da obra “O Auto da Compadecida” escrito por Suassuana. “Não concordei porque achava que não tinha sentido um estrangeiro fazendo um filme com as características nordestinas.”, afirma o jornalista. Esse fato criou um mal estar entre eles o que resultou em dois murros desferidos por Suassuna em Marconi. “Não foi por ele ser do Movimento Armorial, que essas coisas aconteceram, nem tinha isso na época. Ele não gostou foi da minha critica.”, desabafa.
No final de 1968, com a prisão e exílio dos precursores Caetano e Gil, a Tropicália foi considerada findada. No ano de comemoração dos 40 anos do movimento, alguns acreditam que ele ainda continua em aberto. “A Tropicália não deixou de existir porque apareceu o Manguebeat e nem o Manguebeat acabou com a chegada do Pancadão Armorial do The Playboys. É preciso colocar tudo em um liquidificador”, diz Jomard, acreditando ser o Tropicalismo contínuo, como apenas uma das tantas interpretações da cultura brasileira.